O que há com nossas meninas?

Rafael Campos – Correio Braziliense
De forma sutil ou não, as adolescentes têm sido estimuladas a adotar comportamentos sexuais. A Revista do jornal Correio Braziliense conversa com pais e educadores sobre as distorções e os perigos desse tipo de conduta

Gustavo Moreno/CB/D.A Press
Cláudia Silva e suas três filhas: aposta no diálogo franco e sem sermões


Em abril, a rede de lojas Primark, do Reino Unido, retirou das suas prateleiras um artigo controverso: biquínis com enchimento, o famoso bojo, para meninas de até sete anos. A pressão pública foi tanta que a empresa chegou a pedir desculpas por qualquer ofensa que possa ter causado. O caso deu mais notoriedade à discussão sobre a sexualização precoce de crianças e adolescentes. Expostas a imagens que retratam tanto a mulher quanto o sexo como produtos, meninas são estimuladas a consumir desde cedo — e querem tudo o que veem na TV, no cinema, nas vitrines. 

O problema é que elas não desejam aquele sapatinho com cara de boneca, mas o salto. Não reconhecem mais a calcinha de algodão, mas a lingerie completa, com direito a sutiã que veste pequenas beldades de 5 ou 6 anos. Além disso, desejam intensamente ser como os astros infantis que rebolam em cima de um palco ou, desde muito cedo, fazem performances em videoclipes. 

No livro O que está acontecendo com nossas garotas? (Editora Novo Conceito), a autora Maggie Hamilton afirma que, hoje, há tanta facilidade de acesso a dinheiro, viagens, educação e tecnologia, que as meninas são influenciadas desde bebês para se tornarem consumidoras, desde simples batons a bolsas de grifes internacionais. Tudo isso tem sua origem nas conquistas do sexo feminino desde o século passado. Com autonomia para buscar o próprio prazer e com o dinheiro que entrou depois que ela ganhou o mercado de trabalho, a mulher que antes consumia apenas produtos para o lar passou a ter outros objetos de desejo, ficou sensível ao forte apelo da mídia, e isso influenciou a forma de educar uma nova geração de mulheres. E, na verdade, também de meninos. 

Para a educadora Suely Buriasco, o uso da sensualidade feminina como produto é um fator que interfere de forma negativa na educação das adolescentes em geral. De acordo com ela, essas imagens estereotipadas da mulher, além de causarem uma ideia distorcida de como as jovens se reconhecem, atrapalham a percepção dos garotos em relação a elas. “O machismo promove verdadeira agressão nos meninos, que vivem a pressão de mostrar para os adultos e os colegas o quanto são ‘machos’.” 

Essa forma distorcida de masculinidade, na qual o menino tem que gostar desde cedo da ‘mulher produto’, segundo Suely, se traduz em consequências graves para o futuro da criança e do adolescente de ambos os sexos. “Em uma sociedade na qual a mulher ainda é tida por muitos como objeto de prazer, como se espantar com o homem que bate, violenta e até mata a mulher?” 

Mas o fato é que fugir das influências de uma época é algo impossível. Já que o apelo publicitário não vai mudar de foco, o que deve ocorrer, segundo especialistas, é uma maior preocupação da família com o que as suas crianças consomem. “Tudo o que pode estimular a menina a se desenvolver precocemente deve ser evitado. Entretanto, é preciso considerar a individualidade e, nesse sentido, não existe um limite padronizado. O ideal é manter-se atento quanto ao desenvolvimento físico e emocional da garota, pois proibir só provoca distanciamento”, acredita a educadora Suely Buriasco. “É interessante conversar com ela sobre o que é viável usar na idade. Saltos, por exemplo, podem causar problemas ósseos, maquiagem pode danificar a pele. O mais importante, entretanto, é que ela se sinta segura e saiba que pode contar com a orientação de um adulto”, conclui a terapeuta. 

Crepúsculo: o fenômeno casto

Paris Filmes/Divulgação


Na onda contrária ao que se vê na mídia, o fenômeno adolescente Crepúsculo traz uma relação casta, romântica e, de certa forma, longe dos padrões do que é visto entre as mocinhas do século 21. Na trama, a jovem Bella se vê perdidamente apaixonada pelo vampiro Edward, que ficou preso em seu corpo aos 17 anos e mantém toda a classe e elegância de um rapaz do início do século 20. 

A autora, Stephenie Meyer, se valeu de seus preceitos religiosos para criar a história de amor que, indiretamente, prega a abstinência sexual. Ela, que é mórmon, também usa toques ultrarromânticos, pegando em cheio o coração das mocinhas mais jovens. Qual garota não fica em êxtase de ter o rapaz dos seus sonhos loucamente apaixonado por ela? 

Outro sucesso literário entre os adolescentes, Harry Potter, também manteve sua vida sexual bem longe das páginas. Seu primeiro beijo, por exemplo, aconteceu aos 15 anos e suas relações amorosas durante a saga nunca vão além deles. 

De onde vem o mau exemplo

Valério Ayres/Esp. CB/D.A Press
Rachel e Sarah contam com a abertura da mãe, Marta Sabino, para os assuntos espinhosos


A psicóloga Cássia Santana, 47 anos, acredita que a forma com que a mídia trata a mulher não pode ser a única culpada de passar uma ideia errada da sexualidade feminina. Porém, ela percebe que falta uma maior preocupação com o que é exibido. “A televisão, por exemplo, não se preocupa com o horário com que mostra certas coisas. Isso faz com que as meninas recebam muito cedo determinado tipo de informação, quando elas não têm arcabouço emocional para lidar com ela.” Sua filha, Ana Gabriela Santana, 14 anos, acredita que é preciso que pais e escola se unam para garantir que os adolescentes saibam mais a respeito da própria sexualidade. “Hoje, vejo meninas de 10, 11 anos fazendo coisas que eu e minhas amigas não fazemos. Elas precisam de orientação.” 

O diálogo entre pais e filhos, no entanto, ainda é raro. “Já trouxemos ortopedistas para falar sobre os riscos do salto alto para as adolescentes, por exemplo. O problema é que muitos pais, por força do que a mídia e a publicidade passam, permitem que as filhas usem salto, maquiagem. Se tudo é normal em casa, como a escola pode ir contra?”, questiona Adriana Matos, orientadora educacional do colégio Marista João Paulo II, que há 20 anos trabalha com adolescentes. 

A omissão dos pais é um risco, já que as adolescentes, quando não têm a ajuda deles,
conseguem encontrar o que buscam por outras fontes. “É comum, quando pergunto às adolescentes onde elas se informam sobre sexo, que elas respondam ‘no Google’”, garante Adriana Matos. Então, como as meninas devem ser educadas para afastar os perigos que a sexualização precoce traz? “Em um contexto em que a educação sexual na maioria das escolas é ruim, no qual a família é despreparada e que as instituições de saúde não têm contato com as adolescentes, ninguém se comunica. O ideal é que todos falem a mesma língua”, salienta Mônica Mulatinho, que é hebiatra, especialidade médica que trata de adolescentes. 

Essa falta de diálogo justifica, em parte, a pouca intimidade que os jovens têm ao tratar de sexo com os adultos. A preocupação da maioria dos pais é saber se a escola dará essas noções. “Mas essa responsabilidade não é somente nossa. Os pais precisam entender que, aqui, nós vamos complementar a educação que os filhos recebem em casa e não dá-la por completo”, argumenta Adriana Matos. O receio de tratar do assunto deve ser combatido por meio de uma abordagem que respeite a curiosidade de cada um, respondendo desde a primeira pergunta da criança. 

“É preciso que a gente dê oportunidade para eles conversarem e sempre devemos responder na linguagem que a idade permite. Foi assim que minhas filhas adquiriram confiança, porque sabem que não vou esconder nada delas”, afirma a funcionária pública Cláudia Silva, mãe de três adolescentes entre 11 e 16 anos. A aposentada Marta Sabino, 53 anos e mãe de duas adolescentes, lembra que é preciso respeitar o modo com que cada menina encara os aspectos relacionados à sexualidade. “É preciso levar em conta também a personalidade delas. Algumas se interessam mais por esses assuntos, outras não. Eu, por exemplo, nunca tive problemas em conversar com minhas filhas.” 

O diálogo é realmente o único meio de acesso eficaz aos adolescentes, já que eles não suportam ouvir sermões. “Conheço muitos pais que não falam com suas filhas e elas buscam mesmo saber disso na rua. Não adianta esconder esses assuntos da gente, então eles precisam mostrar o que acontece ou muitos vão conseguir informações erradas”, garante a estudante Luíza Silva, 16 anos e filha de Cláudia Silva, que assegura: “Parto do princípio que tudo deve ser ensinado em casa. Como educo com amor e verdade, não temo que as minhas filhas sejam influenciadas pelo que se vê na mídia”. 

Ao ambiente escolar, cabe a abordagem científica e social da sexualidade feminina. Adriana Matos diz que a escola onde trabalha mantém um projeto que aborda a sexualidade como parte da grade anual dos programas. Para a orientadora educacional, três aspectos devem ser levados em conta no momento em que esse assunto vem à pauta. “Primeiro, a precocidade com que o sexo, hoje, pode acontecer na vida do adolescente. Depois, a sua saúde sexual, em relação ao autoconhecimento das mudanças biológicas e emocionais que acontecem no corpo e mente deles e, por último, a percepção do adolescente de que cada etapa tem uma idade certa para acontecer.” 

A enfermeira e parteira Silvéria Maria dos Santos, que coordena o projeto de extensão Promoção da saúde sexual e reprodutiva, na Universidade de Brasília (UnB), frisa que as obrigações de beleza impostas às meninas fazem com que o romantismo envolvido nos relacionamentos fique limitado ao ato sexual. “A visão que a mídia traz é distorcida, como se todos vivessem de sexo e que ele só envolvesse corpos. Mas estes respondem a pensamentos e sonhos, e a mídia não passa isso.” 

A especialista aponta que a vulgarização dessa sexualidade faz com que muitas delas tenham a primeira relação sem a real noção das responsabilidades que a escolha acarreta. “Assim, ao mesmo tempo em que ela se liberta, se escraviza. A sexualidade é um aporte que vem de algo acima da matéria. A garota que tem um suporte familiar vai se cuidar, saber quem ela é e, assim, poder usufruir da sua sexualidade de forma saudável”, completa. 

Para a adolescente Sarah Sabino, 17 anos, e uma das filhas da aposentada Marta Sabino, é preciso que essa banalização seja evitada e os pais ouçam seus filhos. “Tem muitos deles que só de ouvirem a gente conversar sobre o assunto já ficam com raiva. Hoje me sinto à vontade de conversar com minha mãe, mas muitas amigas ainda não.” 

ÍCONES TEENS: O APELO SEXUAL DA MÚSICA

Se há um produto que consegue fazer os adolescentes perderem os pudores é a música. Os ídolos desse universo ajudam a construir a identidade dos jovens com uma dose de rebeldia e sex appeal. Há exceções, claro, como os moços bem-comportados da família Jonas.

Jonas Brothers
Os três irmãos cantores se valem da castidade para mostrar aos pais de suas fãs que são bons garotos. Além de evangélicos, os três fizeram muito sucesso ao usarem anéis de castidade e defendem o sexo só depois do casamento. 

Justin Bieber
O maior fenômeno adolescente atual também faz parte do grupo que defende o sexo somente após o casamento. A mãe do cantor deu declarações dizendo que ele quer esperar pela menina certa. 

Kevork Djansezian/AP – 24/2/08


MILEY CYRUS

Artista revelada no programa Clube do Mickey, Miley hoje trabalha sua imagem para se distanciar do apelo infantil. Recentemente, em uma premiação de um canal para crianças, fez um número de pole dance. É, de certa forma, a herdeira de Britney Spears. 

 

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