... Docente da Universidade de Lisboa recomenda “novos olhares” para o continente africano

Em aula ministrada no Programa de Pós-Graduação da Geografia da USP, a professora Iolanda Maria Alves Évora defende novos paradigmas para se estudar a diáspora africana

Publicado no Jornal da Universidade de São Paulo em 26/06/2024
Texto: Antonio Carlos Quinto
Arte: Diego Facundini*

Fotomontagem Jornal da USP com imagens de: Maria Leonor de Calasans/IEA-usp; Brianski/Wikimedia Commons

As afrodiásporas e as mobilidades africanas devem ser estudadas e analisadas a partir de novos olhares. “É preciso desmontar conceitos e sair das visões e interpretações tradicionais sobre os povos africanos. Afinal, as mobilidades africanas no mundo não se resumem às mudanças transatlânticas”, como define a professora e psicóloga social Iolanda Maria Alves Évora, que é pesquisadora associada do Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (CEsA) da Universidade de Lisboa, Portugal.

Iolanda Maria Alves Évora em aula na pós-graduação da FFLCH - Foto: Fernanda Padovesi/Arquivo pessoal

A docente esteve na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, entre os dias 11 e 14 de junho, como convidada do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana (PPGH), onde ministrou a disciplina Afrodiásporas e mobilidades africanas contemporâneas. Perspectivas atuais das ciências humanas em África. Em entrevista ao Jornal da USP, Iolanda Évora destacou a necessidade de se empreender novos estudos que se aproximem dos cientistas sociais africanos da atualidade. “É preciso investir mais em pesquisas sociais no continente africano”, recomenda a docente.

Gráfico mostra o volume de migrações rurais e urbanas por destino e as migrações dentro e fora da África - Foto: Reprodução/FAO/CIRAD

 

Na FFLCH, Iolanda foi recepcionada pelos professores Fernanda Padovesi Fonseca, Eduardo Donizeti Girotto e Valéria de Marcos, que têm também por objetos de pesquisa aproximar a Geografia de um pensamento contemporâneo sobre a África.

Além da USP, Iolanda também participou de um encontro com professores no dia 6 de junho, no Centro de Capacitação dos Profissionais da Educação em São Caetano do Sul (Cecap), no ABC paulista. A atividade Mobilidades Africanas Contemporâneas: Perspectivas e Abordagens foi coordenada pelo professor Eduardo Donizeti Girotto, pela USP, e os professores articuladores no Cecap foram David Augusto Santos (professor do ensino básico e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia – PPGH) e Lia Fernanda da Silva.

Na oportunidade Iolanda fez uma fala aos professores no sentido de contribuir ao ensino sobre África e as mobilidades humanas do continente, apoiada nos debates contemporâneos que são críticos às abordagens dominantes sobre mobilidades africanas e a África-Mundo.

De acordo com a professora Fernanda Padovesi, a motivação da proposta reside também no pensar e construir o ensino de África e os direcionamentos teóricos na pós-graduação. Ela destaca que a Lei 10. 639/03 “indica a necessidade de inclusão da pluralidade epistêmica e cosmológica, que foi o foco dos trabalhos conduzidos pela Iolanda conosco, em especial sobre a África, produzidos pelos autores em humanidades.”

Fronteiras “porosas”

Iolanda considera primordial estudar quais as principais questões que as mobilidades africanas atuais trazem aos estudiosos. “Por muito tempo se pensou na afrodiáspora como sendo apenas a transatlântica. Atualmente, existem as afrodiásporas transindianas e transchinesas, por exemplo”, cita a pesquisadora. “Estamos diante de um grande desafio, que é o de estudar as diversas afrodiásporas que estão acontecendo”, recomenda.

No entanto, Iolanda alerta que as principais formas de mobilidades africanas acontecem, atualmente, dentro do próprio continente. Já não se pode pensar nas fronteiras internas da África de acordo com o que foi estabelecido na Conferência de Berlim – realizada entre 1884 e 1885 –, que organizou projetos de exploração e ocupação do continente africano pelas grandes potências europeias.

Iolanda cita, inclusive, que, de acordo com o estudo África em Movimento: Dinâmica e Motores da Migração ao Sul do Saara, publicado pela FAO (Agência da ONU para alimentação e agricultura) e pelo Centro de Pesquisas Agrícolas para o Desenvolvimento (Cirad), entre os anos de 2017/2018, 75% dos indivíduos que mudaram de ares na África Subsaariana permaneceram dentro do continente.

Enquanto muitos países africanos e europeus ainda consideram como oficiais as fronteiras estabelecidas após o tratado de Berlim, a mobilização interna no continente acaba por produzir o que ela denomina “fronteiras porosas”. “Tais movimentações carecem de mais estudos”, recomenda. “Podemos até considerar que as mobilidades internas possam ser mais importantes do que as externas. Afinal, o trânsito de africanos entre países do próprio continente não chega a ser contabilizado nos estudos convencionais”, diz Iolanda.

Preconceitos

E quando se fala em mobilidades externas a partir do continente africano, Iolanda lembra que ainda há preconceitos em relação aos africanos. “Se você observar um barco no Mediterrâneo com diversos indivíduos em busca de se estabelecer em um país europeu, estes são considerados por muitos como refugiados e despreparados, ou sem estudos. No entanto, há dados que mostram que boa parte dessas pessoas possuem nível superior de educação”, diz.

O exemplo, de acordo com Iolanda, mostra que mesmo a mobilidade externa de africanos precisa ser repensada a partir de novos paradigmas. “Afinal, o habitante do Hemisfério Norte sempre é visto como um ‘visitante’ ou ‘turista’, enquanto o africano será sempre visto como ‘mão de obra’”, descreve.

Vínculos uspianos

Moçambicana de nascimento, Iolanda teve toda a sua formação na USP, com graduação em Psicologia e mestrado e doutorado em Psicologia Social e, nos últimos anos, vem coordenando um projeto de afrodescendência em Portugal.

Com relação à atual situação da USP pós-cotas raciais, a professora considera que o processo “mudou a cara da Universidade”. Mesmo considerando que ainda levará tempo para que as coisas se equiparem na questão racial, Iolanda considera que este é “um caminho sem volta”. A disciplina ministrada por Iolanda teve a participação de 23 alunos da pós-graduação matriculados e 17 alunos ouvintes, tanto da USP (FFLCH e Instituto de Psicologia), como externos (da Unifesp e Casa das Áfricas).

*Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado

Práticas culturais e escolarização de mulheres em Moçambique

 

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