Ivonio Barros Rostos esculpidos pelo exílio em “Madjoni-Djoni” Inaugurada a 11 de Fevereiro, a exposição “Madjoni-Djoni”, de Nuno Silas, estará patente nas galerias do Centro Cultural Moçambique-Alemão e Centro Cultural Franco-Moçambicano, até 29 de Março. Fernanda da Lena Hermano 13/02/2025 O País - Moçambique Eu sou carvão. Tenho que arder. Queimar tudo com o fogo da minha combustão. José Craveirinha, Grito Negro Há imagens que não precisam de palavras para contar histórias. Elas falam por meio as sombras que as compõem, dos traços interrompidos, das ausências que gritam mais alto do que as presenças. Na escuridão das minas sul-africanas, onde o suor se mescla ao pó como se a pele se dissolvesse na terra, a exposição Madjoni-Djoni, de Nuno Silas, resgata rostos apagados pelo tempo e corpos esculpidos pela dureza da migração. Como um arquivo espectral, a mostra revela as cicatrizes deixadas nos trabalhadores moçambicanos e em suas famílias, traçando um percurso que vai do apartheid ao pós-independência de Moçambique. Cada quadro é uma explosão de tensão e movimento. Neles, figuras humanas emergem do caos da tinta preta, como sombras arrastadas pelo destino. Os corpos parecem em fuga, mas o espaço em que se movem não sugere saída — é um véu de incerteza, gestos interrompidos, borrões de um tempo que insiste em se repetir. As pinceladas brutas e frenéticas evocam uma violência latente: a de ser arrancado da própria terra, explorado até o limite e depois descartado como carvão consumido. A ausência de rostos reconhecíveis não desumaniza os sujeitos; pelo contrário, os transforma em símbolos da colectividade migrante, cujas histórias individuais foram soterradas sob o peso da economia extrativista. Uma das obras é acompanhada de um vídeo de 6 minutos e 59 segundos, que introduz um tom de introspecção. O menino retratado, marcado por tons de azul, carrega na postura e no olhar uma interrogação silenciosa. O azul, aqui, pode ser lido como frio, distância, melancolia — ou, paradoxalmente, um vislumbre de esperança. A inscrição Children’s Center na sua camisa adiciona um estrato de ambiguidade: seria um refúgio ou um espaço onde se arquivam futuros interrompidos? Algumas obras ressoam como um grito engolido pelo tempo, dando voz aos que foram transformados em matéria-prima da engrenagem colonial e pós-colonial. A exposição, em sua proposta experimental, faz um jogo entre o visível e o invisível. As fotografias resgatam memórias visuais que poderiam ter sido esquecidas; os vídeos acrescentam camadas de testemunho e oralidade; as instalações de grande escala projectam essas histórias para um espaço onde já não podem ser ignoradas. No entanto, há momentos em que a própria estética pode se tornar um desafio para o espectador. A ausência de legendas ou contextualizações mais directas exige que o público reconstrua as narrativas a partir de impressões sensoriais e históricas dispersas, o que pode ser tanto uma experiência enriquecedora quanto um emaranhado de leituras inconclusivas. A exposição desenha, com traços ásperos e contrastes ferozes, a travessia de corpos moçambicanos que, empurrados pela violência da história, cruzam fronteiras em busca de sobrevivência. O vestígio do apartheid ressoa nessas imagens, não apenas como um passado sombrio, mas como um presente que persiste na segregação económica e na exploração dos migrantes nas minas sul-africanas. A migração, longe de ser um acto voluntário, surge como uma imposição da própria terra que, devastada por políticas excludentes e por uma economia que nunca se descolonizou por completo, empurra seus filhos para longe. Como em “Terra Sonâmbula”, “a guerra crescia e tirava dali maior parte dos habitantes” — mas se não é mais a guerra que os expulsa, é o desemprego, a pobreza e a memória de um sistema que, mesmo desmontado, ainda aprisiona. A mina, metáfora de um ciclo vicioso, transforma-se em outro campo de batalha, onde a luta já não é contra soldados, mas contra um destino que insiste em reduzir vidas a carvão. Se, por um lado, Madjoni-Djoni é uma celebração da resiliência e da identidade moçambicana na diáspora, por outro, nos lembra que a migração é também um território de perdas. Há ausências gritantes, lacunas que nem a arte consegue preencher. Mas talvez essa seja a grande força da exposição: transformar o silêncio dos retratados em eco, a sombra em matéria, e a história enterrada em fogo vivo, pronto para arder até que toda a maldição da exploração seja reduzida a carvão. Inaugurada a 11 de Fevereiro, a exposição “Madjoni-Djoni”, de Nuno Silas, estará patente nas galerias do Centro Cultural Moçambique-Alemão e Centro Cultural Franco-Moçambicano, até 29 de Março. fonte: https://opais.co.mz/rostos-esculpidos-pelo-exilio-em-madjoni-djoni/ Próximo artigo: Mondlane descrito como lutador pelas causas do país e do mundo Próximo